Já repararam que nos últimos anos, raramente se passa uma semana sem que tenhamos alguma denúncia referente a maus tratos ou mortes em zoológicos pelo mundo afora? Aqui mesmo no nosso blog temos acompanhado o caso do zoo de Araçatuba, que em 11 anos deixou morrer cerca de 300 animais segundo notícias que foram divulgadas na mídia.
São notícias que deixam a todos que amam os animais com a sensação de que algo muito grave está acontecendo pelo mundo e que é necessário uma mudança radical na forma como estes recintos ainda são retratados com o objetivo de educar e desenvolver nas crianças o amor e o respeito pelos animais.
Temos que concordar que ao nos colocar acima dos outros animais quando nos referimos ao direito deles estarem na natureza nos excluímos e fazemos parecer que estamos em outro patamar no planeta.
Até quando iremos nos portar como seres superiores aos demais seres que habitam a Mãe Terra? até quando vamos fingir que não percebemos a triste situação destes confinamentos? sejam em zoos, gaiolas, tanques ou aquários. Não somos especialistas ou técnicos, para poder expor aqui tudo o que temos presenciado ultimamente, então vamos reproduzir um texto que já foi publicado no
ANDA - Agencia de Notícias de Direitos dos Animais e que consideramos muito bom. A nossa parte como ativistas e defensores dos animais é fazer com que mais e mais pessoas venham a ter conhecimento do que realmente deve ser questionado em relação a essa imagem distorcida de que os animais confinados estão felizes ao serem expostos como objetos em uma vitrine.
EsquadrãoPet
Marcela Teixeira Godoy
Bióloga e Professora Universitária.
Como bióloga e educadora, sempre acreditei nos zoológicos como ferramenta deseducativa.
Meu repúdio a esse tipo de atividade fez com que eu me afastasse,
durante anos, de uma visita a esses verdadeiros redutos de infelicidade
animal. Tive a oportunidade de fazer uma visita técnica a alguns desses
redutos recentemente (há menos de uma semana, para ser mais exata).
Assim como a aquários, oceanários, serpentários e afins. Foi um
tour dos horrores, considerando toda minha aversão a qualquer forma de confinamento animal para a satisfação de egos humanos.
Mas, com o passar do tempo, minha aversão, que antes era representada
pela negação, foi substituída pela coragem de encarar os fatos como
eles são: os animais sofrem. Ao nosso lado. Todos os dias. E nos fazem, a
todo o tempo, um apelo silencioso. Não é possível ignorar essa
realidade pelos melindres de não querer sofrer, de não querer olhar. O
sofrimento deles é infinitamente maior.
Nessa visita técnica, foram incluídos locais aos quais os visitantes
“comuns” não têm acesso, como cozinhas, biotérios, áreas de cuidados
veterinários etc. Fui convidada por uma colega de trabalho a conduzir
com ela (que também não é fã de zoológicos) a visita (sou professora
universitária) e temos uma turma em comum, a qual nos acompanhou. A
curiosidade de saber a quantas anda a exploração legitimada dos animais
que tiveram sua liberdade sequestrada, na prática foi um dos fatores que
me levou a decidir ir.
Outro fator importante foi a certeza de ter minhas concepções
biocêntricas renovadas. Mesmo à custa do meu sofrimento. Banal, como já
mencionei, perto do sofrimento de inúmeros animais que lá encontrei.
Antes de “ver” os animais e durante as “visitas”, em todos os locais, há
uma explanação teórica/logística por parte dos monitores. Parece que
são treinados todos no mesmo lugar, pois as frases feitas a respeito do
bem-estarismo animal são quase idênticas. Tais explanações me remetiam
inevitavelmente ao
Ensaio sobre a Cegueira, de Saramago. Pensava: as pessoas estão mesmo acreditando nisso? (Acho que vou escrever um
Ensaio sobre a surdez).
Outro pensamento recorrente: na ocasião de uma palestra do Seminário da
Agenda 21, no Paraná, em 2009, a filósofa Sônia Felipe mencionou a
seguinte frase: “bicho não é vitrine de shopping”. Considerei
extremamente relevante. Me fez pensar além.
Zoológicos com objetivos de recuperação e reintrodução de espécies no
meio, sem exposição ao público, que respeitam o que o animal nasceu, de
fato, para ser, merecem nosso reconhecimento. Não são, infelizmente a
maioria deles. A maioria ainda se baseia em concepções especistas e
antropocêntricas para justificar sua existência e consequente sofrimento
animal. Algumas falácias são facilmente identificadas no discurso
daqueles que defendem o zoológico “vitrine” como “ferramenta educativa”.
Aliás, podemos, sim, fazer dos zoológicos, ferramentas extremamente
educativas se mudarmos a análise e a perspectiva. Analisando sob a ótica
da ética biocêntrica, podemos enumerar algumas falácias que são
repetidas como mantras a respeito dos animais confinados. Vamos a
algumas delas:
- “O Zoológico é importante porque nós devemos conhecer as espécies para preservar/respeitar”.
Essa concepção traz embutida a desculpa de que só é possível
preservar uma espécie a partir do momento em que a conhecemos. Se a
concepção biocêntrica predomina, o simples fato de o animal existir já é
um pressuposto que justificaria o respeito por ele. E só. Eu não
conheço nenhum africano, por exemplo, mas não preciso fazê-lo para só
depois respeitá-lo. Nunca conheci um urso-polar, um tigre de bengala,
uma perereca amazônica ou uma orca. Mas o fato de não vê-los ao vivo não
me impede de respeitá-los pela sua essência.
- “O Zoológico é imprescindível para estudarmos o comportamento dos animais”.
Só se for para estudar neuroses de cativeiro. Qualquer pessoa com
noções básicas de biologia sabe que o comportamento de animais em
cativeiro não é o mesmo que o animal apresentaria no seu meio natural.
Tenho muito respeito por estudos comportamentais. Mas por aqueles que
são feitos no habitat natural do animal. Esse argumento não sustenta a
existência desse tipo de zoológico.
- “O Zoológico é importante para a reprodução e para salvar as espécies”.
Primeiro: a maioria dos animais reproduzidos em cativeiro é
reproduzida para esse fim: permanecer em cativeiro. Não para ter
devolvido o que lhe foi negado desde as gerações anteriores: sua
liberdade. Há, entre os zoológicos, uma espécie de escambo de espécies,
onde os animais são intercambiados. Faltou uma girafa no zoológico “x”?
Já está nascendo uma no Zoológico “y”. Será separada de sua mãe e
destinada ao zoológico “x” como animal de exposição. Segundo: privado da
convivência com seus iguais e de todas as interações que lhe são
possíveis em seu meio natural, ele não é mais do que a sombra dos seus
ancestrais
.
- “Mas os animais que nasceram no zoo não sofrem porque não conhecem outra vida”.
Será que o fato de esse animal ter nascido em cativeiro nos dá o
direito de usurpar sua liberdade mais uma vez e condená-lo a uma vida
miserável, privando-o da sua verdadeira liberdade?
Se houver uma “visita ao zoológico”, com propósitos educativos, que
sejam feitas pelo menos as seguintes perguntas e investigações com os
alunos: qual o habitat natural desses animais? Quais os hábitos desses
animais em seu meio natural? Geralmente são: nadar, correr, voar
quilômetros por dia, procurar comida, defender seu território, interagir
com outras espécies e com seus iguais. E em cativeiro? Quais as
mudanças percebidas? Quais os impactos nefastos nos seus hábitos? Quais
as consequências? Um pequeníssimo exemplo, entre tantos que presenciei:
um leão-marinho em seu habitat natural viaja centenas de quilômetros por
dia. Em cativeiro, é condenado a viver em um pequeno tanque, onde passa
o dia circunscrevendo voltas como que para escapar da escravidão sem
fim. Sem falar na obesidade e outros transtornos de comportamento como
as já mencionadas neuroses de cativeiro. Isso nos reporta à falácia
seguinte:
- “Aqui no zoológico fazemos o enriquecimento ambiental”.
Esse novo modismo nos zoos (proveniente de um modelo americano) traz
em sua proposta a introdução de diferentes estímulos no cativeiro para
que animais não desenvolvam comportamentos repetitivos e neuróticos como
automutilação, coprofagia etc. Certamente, estímulos são melhores que a
estagnação a que esses animais são condenados. Mas deve-se sempre
questionar: a reabilitação e a devolução da liberdade que lhes foi
negada não seria infinitamente melhor? O tão prestigiado enriquecimento
ambiental não seria mais um engodo para justificar a perpetuação do
cativeiro e de interesses escusos?
- “Hoje não existem mais jaulas nos zoológicos”.
Ouvi diversas vezes essa frase dos monitores que nos acompanharam. Em
vários lugares. Basta uma breve visita para, novamente, a perplexidade
ao comparar o dito e o constatado ser inevitável. O ápice do menosprezo à
inteligência dos presentes. Percebe-se, claramente a existência de
cercados mínimos de aço, alumínio, terrários, aquários e paredes de
vidro fazendo as vezes de jaulas. Mas pergunto: não seria infinitamente
melhor que jaulas, aquários, terrários e afins estejam para sempre,
vazios?
- “A alimentação é balanceada”.
Isso pode soar muito bem aos ouvidos antropo e ecocêntricos. Mas nos
ouvidos biocêntricos e abolicionistas dói. Até fisicamente. Uma frase
que ouvi da monitora: “Os zootecnistas que trabalham no zoo e cuidam da
alimentação dos animais acham que os psitacídeos silvestres são uns
chatos porque são muito exigentes, não comem qualquer coisa”. Ora, o que
diriam os psitacídeos se falassem? “Chato” seria um adjetivo no mínimo
elegante para qualificar quem os trancafia em um viveiro, obrigando-os a
uma “loteria gastronômica”, forçada e diferente de sua alimentação
natural.
E nem tecerei aqui comentários a respeito do estresse gerado para o
animal decorrente das barulhentas “visitas”. É desnecessário.
Os animais em zoológicos são a ponta do
iceberg dessa
empresa. Por trás há inúmeros fatores que formam uma cadeia de horrores
para outras espécies também. Uma delas é a existência de biotérios,
terceirizados ou dentro dos próprios zoos, que são lugares específicos
onde são criados animais vivos para alimentar os animais cativos. No
Brasil são criados, para esse fim, ratos, porquinhos-da-índia, gansos,
pintinhos etc.
Esses seres vivos, considerados “alimento” no contexto, são
manipulados, criados e administrados com a naturalidade de quem dá uma
banana a um macaco. São “coisas” como regem os preceitos do
antropocentrismo e do especismo. Os ecocêntricos dirão que é muito boa
essa preocupação com a alimentação dos animais. E que não há dilemas
morais, pois na natureza existe a relação predador/presa. Sim. NA
NATUREZA. Mas, novamente a pergunta que se deve fazer é: Não existir
animais enjaulados não seria infinitamente melhor?
Outro fenômeno que ocorre na maioria dos zoológicos e, confesso, para
mim é novidade: a distinção entre “animais em exposição” e “animais
excedentes”. Os animais em exposição (no contexto, como se fossem agora,
peças de uma galeria de arte) são aqueles que o público enxerga. Aliás,
a maioria deles é recolhida à noite, gerando mais estresse. Os “animais
em exposição” ficam nas partes divulgáveis do zoo.
Nas áreas que estão longe dos olhos do público, existem pequenas
jaulas com os “animais excedentes”, ou seja, os que sobraram da
reprodução em cativeiro, ou de trocas com outros zoológicos. Ou até
mesmo os animais doentes ou que desenvolveram a (novamente ela) neurose
de cativeiro. Claro que não é conveniente que o público tenha contato
com comportamentos como automutilações, coprofagia, canibalismo e outros
desenvolvidos em animais privados de sua liberdade. A visão desses
comportamentos pode começar a atenuar a “cegueira conveniente” do grande
público. Não é recomendável.
Nessas áreas, até são permitidas visitas técnicas. Mas são
terminantemente proibidas fotos e filmagens, por razões óbvias aos olhos
da ética biocêntrica. Uma das monitoras, quando questionada sobre o
porquê de as fotos serem proibidas, disse não saber. Fiquei me
questionando se a resposta foi estratégica, se foi repetida como mantra,
se ela simplesmente não se importa, ou se a cegueira a acomete também.
Nas áreas dos “animais excedentes”, foi possível observar em vários
zoológicos que o espaço em que os animais estão confinados é bem menor
que o dos animais “em exposição”. Logo nos perguntamos: o que dizer da
preocupação com o “bem-estar animal”, ou com “enriquecimento ambiental”
para os animais dessas áreas? Também não obtive respostas convincentes.
Só evasivas. Não insisti mais porque as respostas ficaram óbvias demais.
Na esteira dos zoológicos, seguem aquários, serpentários, oceanários,
circos, projetos de “preservação” etc. que, pela tradição
antropocêntrica, possuem um propósito educativo “inquestionável”. Mas
basta um breve passeio, com esse olhar biocêntrico, diferente do que nos
foi imposto a acreditar a vida toda, para que o apelo silencioso e
profundo de cada animal se faça presente e toque fundo nossa alma toda
vez que visitarmos um zoológico ou algo semelhante. Essas mudanças de
perspectiva, segundo Arthur Conan Doyle, equivalem a uma conversão
religiosa: nada mais será visto da mesma maneira que era antes.
Mesmo com todas essas “justificativas”, que sob minha perspectiva não
passam de falácias, ainda acredito que o “simples” fato de um animal
ter sua liberdade restringida, impedida, sequestrada para a concepção
medieval de satisfazer as curiosidades e prazeres humanos, é a base do
meu repúdio a esse tipo de exploração, sem mais considerações.
Mas a esperança se renovou quando vi a reação da maioria dos meus
alunos, acadêmicos de Licenciatura em Ciências Biológicas, durante a
visita. Quando ouvi, em cada comentário, a indignação, a revolta e a
preocupação de fazer uma abordagem ambiental realmente crítica na
escola. Quando vi em cada rosto a angústia pelos animais e a cegueira se
dissipando, pensei: é um trabalho que vale a pena. Pois não deixo de
mencionar em minhas aulas a importância de se olhar o outro lado. Por
isso acredito na chamada Educação Ambiental Biocêntrica. E libertária.
Com as pessoas livres para optar pelo modelo de ética que pautará sua
passagem pela Terra. E essa escolhameus alunos fizeram por si. Não foi
imposta. Em sua formatura, não farão de seu juramento outra falácia:
“Juro, pela minha fé e pela minha honra e de acordo com os princípios
éticos do biólogo, exercer as minhas atividades profissionais com
honestidade, em defesa da vida, estimulando o desenvolvimento
científico, tecnológico e humanístico com justiça e paz”. (enunciado
regulamentado pelo Conselho Federal de Biologia – Decreto nº 88.438, de
28 de junho de 1983). “Defesa da vida” e “justiça e paz”, entende-se,
para todas as espécies.
Enquanto houver zoológicos, aquários, serpentários do tipo “vitrine”,
espero que existam educadores como meus alunos (que ainda não se
formaram, mas já são biólogos de coração), capazes de fazerem com seus
alunos excursões a esses verdadeiros infernos (para os animais), capazes
de realizar essas visitas com vistas à ação. Capazes de conduzir uma
discussão sob outra ótica, sob outra ética.