Acumuladores de animais não percebem que ultrapassaram limites
Movidos pelo causa animal, muitos entram em um ciclo, recebendo cada vez mais bichos, sem reconhecer que há um problema
por Laura Schenkel
— Muitas pessoas vêm aqui e me atrapalham. Agora, por exemplo, eu poderia estar limpando a minha casa — afirma uma senhora que tem dezenas de gatos e nega o mau cheiro relatado por vários vizinhos e pedestres que passam em frente a seu imóvel.
A aposentada, que não quis dar entrevista, tem cerca de 70 felinos. Não é o imóvel com mais animais na cidade. De acordo com a Secretaria dos Direitos dos Animais (Seda), seu Ádio, que mora no bairro Santa Teresa, tem cerca de cem animais. Já o seu Paulo, morador do bairro Restinga, tem aproximadamente 150 animais.
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Casa da colecionadora de gatos. Foto: Guerreiro / Divulgação Seda |
A acumulação de animais, também chamada de colecionismo, é um tipo de transtorno não determinado pelo número em si, mas pelas condições gerais sob as quais vivem os bichos e os seus donos. Ou seja: só porque seu vizinho tem muitos animais, isso não quer dizer que ele seja um acumulador. A patologia ainda é pouco conhecida dos profissionais da saúde e da população, segundo Aristides Volpato Cordioli, psiquiatra e professor aposentado da UFRGS:
— É um limite bastante tênue. Muitas vezes, a pessoa começa se imbuindo do amor pelos animais ou do papel de salvar os que estão doentes ou machucados, mas perde o senso da própria capacidade, do tamanho do problema. É um impulso sem freios. Como outros acumuladores, eles têm dificuldade de dar suas coisas, no caso, doar os animais.
O acumulador é incapaz de prover condições mínimas de
nutrição, saneamento, abrigo, espaços para os bichos se movimentarem e cuidados
veterinários. Em casos extremos, tem até animais mortos em casa. O transtorno
leva à criação em péssimas condições e também provoca impactos no ambiente.
— Muitas vezes, a casa do acumulador tem grande quantidade
de fezes e de urina e níveis de amônia muito altos. São condições
anti-higiênicas para os animais e para os seres humanos. É um problema de saúde
pública, que, às vezes, extrapola a casa do acumulador compulsivo e afeta a
vizinhança — avalia o professor aposentado.
As reclamações mais comuns de quem mora por perto referem-se a barulho, no caso de cães, e cheiro, quando são gatos. Ainda não há dados nacionais sobre a acumulação de animais, conhecida em inglês como animal hoarding. O perfil padrão dos acumuladores, segundo estudos americanos, aponta para mulheres com mais de 60 anos que moram sozinhas. Gatos são os mais acumulados, seguidos de cães e pássaros. Outro traço comum — que dificulta o combate à situação — é que, geralmente, os acumuladores negam o problema e a ajuda profissional.
Acompanhado pela prefeitura, Paulo é um exemplo: não aceita tratamento psiquiátrico, segundo a Seda. Administradora do projeto Reino Gato, iniciativa independente de proteção a animais em situação de risco ou abandono, Thiane Nunes sabe como é difícil lidar com um acumulador.
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Casa do sr Paulo - acumulador. Foto: Guerreiro / Divulgação Seda |
— Ele não nos deixa
assumir um animal para ser tratado e encaminhado para uma adoção responsável.
Acumuladores têm dificuldade em confiar e nos deixar levar um dos animais
simplesmente para ser esterilizado ou tratado por algum problema de ordem
médica, pois temem que não o devolveremos. Assim começa um embate complicado
para nós, que vemos o sofrimento do animal, em óbvia situação de maus-tratos,
sob a tutela de uma pessoa com um distúrbio emocional e psíquico.
— Pode ser um grave problema social ocasionado por políticas públicas deficitárias ou retrógradas. Pode ser decorrente de crimes de exploração de criações de animais, não raramente praticados por sociopatas com alto potencial em outros crimes. E, na modalidade que normalmente se coloca mais ênfase, um distúrbio psiquiátrico.
Os acumuladores de animais têm altíssima probabilidade de recaída. Foi o que ocorreu com o seu Paulo: até a Seda devolver os cães recolhidos em uma ação, ele já tinha acumulado novos animais.
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Caminhão retirando lixo da casa do sr. Paulo Foto: Guerreiro / Divulgação Seda |
— É uma situação que toma mais tempo para resolver. A Seda consegue melhorar as condições dos animais, dando todo o tratamento. Quando os donos permitem, os animais são esterilizados, castrados, vermifugados. Uma veterinária vai até eles. São procedimentos diferentes dos de rotina. O acumulador não precisa, por exemplo, encaminhar pedido de castração — explica Alice.
O resgate de animais dos acumuladores só ocorre em casos extremos, por determinação judicial. Nestes, os bichos são tratados pela Seda na Unidade de Medicina Veterinária, localizada na Lomba do Pinheiro (Estrada Bérico José Bernardes, 3.489), onde também podem ser adotados.
A casa
dos gatos na Venâncio Aires
Rosa Maria Lopes, 60 anos, pode ser vista diariamente em sua casa na Avenida Venâncio Aires, 168, dando comida a seus gatos. Rosinha tem glaucoma, enxerga mal, apenas de um olho, e conta com a ajuda de amigas quando é necessário levar os felinos ao veterinário ou para aplicar um tratamento. Aos oito anos, quando foi adotada por um casal, ganhou seu primeiro gatinho, o Mimoso. Hoje, afirma ser a dona de Pierre, Jean-Louisinho, Lorde, Pérola, Juan, Ametista, Mel, Carolina e Daiane:
— Os
outros que estão aí não são meus. São da rua e vêm comer aqui. Sempre gostei
dos animais. Eu brigava com todo mundo por causa deles — conta.
A Seda realizou diversas ações fiscalizatórias e médico-veterinárias em
relação aos felinos e informa que não foram detectados maus-tratos aos animais.
O último relatório da fiscalização da secretaria afirma que Rosinha diz que não
concorda em doar os gatos e que não está mais residindo no imóvel, já que
o mesmo tem o risco de desabar.
Rosinha aluga um pequeno imóvel no bairro Santana, e diariamente caminha
para a casa da Venâncio Aires, onde passa o dia na companhia dos gatos.Fonte:
ZH Porto Alegre
*vídeo sobre colecionismo em palestra feita no ENAPA - 2013 pela médica veterinária Heidi Ponge Ferreira
Nota:
Entre as maiores dificuldades para se lidar com o problema é que apesar das denúncias durante anos e anos por parte de vizinhos, parentes, ou protetores o poder público se omite de atuar para tentar controlar limitando as tais "coleções" de animais. Na maioria das vezes o problema só vai ser combatido quando o colecionador adoece, morre ou vende o imóvel e se manda deixando para trás os pobres e indefesos animais. Na proteção animal ainda existe outro fator que complica muito o combate aos colecionadores que é o apoio por parte de muitos que se beneficiam com o fato de ter onde onde colocar seus resgatados e dessa forma serão estes que demonstrarão apoio incondicional sempre que houverem denúncias de maus tratos ou mesmo mortes ocasionadas pelo acúmulo de animais.
Mas seja por qual motivo for a verdade é que as maiores vítimas serão sempre os animais que não tem como se defender destes doentes.
Aqui em Manaus, temos um caso bem difícil, em que a acumuladora, está exigindo um terreno, mas quem irá construir?? Saiu nos jornais e muitos sentem pena, mas ninguém quer ajuda-la a fazer um feira para doar seus cães saudáveis e jovens....Lamentável.
ResponderExcluirE muitas pessoas, principalmente, de fora da cidade estão sustentando essa doença.