segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Crônicas de um anestesista - Léo Credi


Foto postagem original

Crônicas de um anestesista

Num dia chuvoso e cinza, fim de tarde, primavera...
Anestesista: Boa tarde. Como estamos hoje?
Cão: Nada bem, nada bem, doutor. Não consigo mais me levantar, até surgiram machucados em minha pele.
Anestesista: É. Seus olhos vão de um lado a outro, você tombou de vez, garoto.
Cão: Pois é, não posso mais lidar com esta tontura, estou assim há 3 dias. A dor que sinto nas costas é indescritível! Acho que o gongo soou pra mim, não é isso?
Anestesista: Então sabe por que estou aqui, não é?
Cão: Não apenas sei como tenho sonhado com este momento nos últimos dias. Aqueles remédios que o senhor me passou, não posso mais com isso, já não resolvem, o mal estar é contínuo agora. Nem comer consigo mais.
Anestesista: Entendo. Gostaria que compreendesse que também não é fácil para mim, sensação de fracasso, de desistência, frustração e impotência. Creio que ninguém ainda descobriu como lidar com este momento.
Cão: Decisão difícil, tomar uma atitude diante de uma situação aonde não podemos ouvir relatos, mas hoje, posso falar com você, não sei por que. Como estão meus donos?
Anestesista: Estão lá fora, choram muito, exceto pela menininha, creio que seja netinha deles. Me parece que ela ainda não compreende bem a situação.
Cão: Creio que o senhor se engana. Ela entende sim. Hoje cedo, quando ela acordou, deitou-se ao lado da minha caminha, segurou na minha pata, disse “tchau”, uma das poucas palavras que sabe falar, e me deu um biscoito de chocolate na boca. Comi inteiro, mas não pude segurar, esperei que saísse e coloquei tudo pra fora, não queria magoá-la, mas não consigo mais comer nada.
Anestesista: As crianças enxergam as situações de outra forma. Sabem lhe dar melhor que adultos, muitas vezes. Eles sentirão muito sua falta, você é um amigo maravilhoso.
Cão: E eu amo eles mais do que a mim mesmo, doutor. Fico triste em saber que não podia mais cumprir minhas funções de amigo do homem. Não conseguia mais correr atrás da bolinha, não podia subir na cama para fazer companhia. O único momento em que conseguia ficar próximo era quando eles se sentavam na cadeira de balanço do escritório, na qual ao lado fica minha cama, então podia alcançar seus dedos da mão e lamber. Eles sentiam cócegas e riam muito. Mas ultimamente, quando eu fazia isso, não sei por que, se punham a chorar. Não posso mais.
Anestesista: Sua missão se cumpre hoje, você deu esperança a um momento difícil para o ser humano, que é envelhecer, pois percebemos e tememos por isso. Durante todo este tempo, você esteve ao lado deles, participando de momentos bons e ruins sempre da mesma forma, com amor. Conversei com eles e percebi o quanto significa para eles. Eles não aguentam vê-lo assim. Você tem ficado mais em clínicas veterinárias do que em casa.
Cão: Soube que meus pulmões estão comprometidos, por isso esta tosse. Amo tanto meus donos que não quero que acompanhem isso, eles não merecem. Prefiro colocar um fim a isso para que o sofrimento deles se acabe.
Anestesista: Houve uma pessoa que fez isso por nós, há muito tempo atrás.
Cão: É mesmo? Deveria estar doente também?
Anestesista: Quem estava doente éramos nós mesmos, ele não, mas mesmo assim o fez, por todos, por amor, é uma longa história, e nesta situação, inevitavelmente, me lembro Dele, sua situação só me faz pensar Nele, como se Ele estivesse acompanhando tudo.
Cão: Entendo. Opa! O que é isso? Pra que serve?
Anestesista: É apenas um cateter, estou acessando sua veia, precisarei dela. Prometo que não lhe incomodarei mais.
Cão:Sinto um certo alívio. Me ajude, por favor, sei que está aqui pra ficar comigo, sinto isso. Me sinto bem, realizado e satisfeito, tive uma chance e dei meu melhor. Sei que deixarei saudades, sinto que fiz um bem enorme. Pelo olhar de vocês, sinto que tudo está bem agora.
Anestesista: Por que nosso olhar? Meu amiguinho, estamos você e eu aqui apenas, ninguém precisa presenciar isto além de nós.
Cão: O seu rosto agora está triste, mas o Dele não, tem uma cara boa, serena, gostei do cara ao teu lado, em 16 anos, nunca o tinha visto por aqui.
Anestesista: Rsrs, não tem ninguém mais aqui, meu amigo. Fique tranquilo. Como se sente? Algo dói? Amigo? Pode me ouvir?


Autoria - Léo Credie 
Professor de anestesiologia na FMU-SP


Nota:
Acreditamos que todos aqueles que já tiveram que abreviar a vida de um animal que amava por já não ter mais como salvá-lo e tiveram que optar pela eutanásia vão se comover com este texto. Sensível, realista e ao mesmo tempo com o "time" correto de um toque de humor.
EsquadrãoPet

6 comentários:

  1. Muito tendencioso, na verdade não gostei, veterinários, anestesistas e afins sempre serão a favor da eutanásia, mas acredito que todos temos nosso tempo na terra, se fosse assim então as pessoas tbm poderiam ser eutanasiadas. Porque não deixar eles cumprirem seu tempo nesse ciclo?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Márcia deixar cumprir seu ciclo de vida com dignidade e sem sofrimento sempre será nossa meta. Mas nem sempre isso é possível e é nessas horas que a difícil decisão de aliviar o sofrimento destes anjos caberá a nós.....infelizmente os humanos nem sempre são ouvidos até mesmo quando imploram pelo direito de irem antes mesmo quando em extremo sofrimento.

      Excluir
    2. Fica meio contraditório, se os humanos mesmo sabendo se expressar e pedindo são negados a terem a eutanásia, então como que para os animais que não se expressam podemos decidir? Mas é obvio quem tem casos e mais casos, acho que tem que ser usado com muita cautela esse poder de eutanásia, ultima das últimas decisões, o texto é muito "bonitinho" mas não passa a realidade, fora que quando é optado por se fazer o procedimento o tutor deve sempre ficar presente, ao contrario parece um abandono ao animal, anestesistas fazem seu trabalho mecanicamente, o bicho não o conhece.
      Mas isso é uma questão de opinião, cada um realmente tem a sua e devemos respeitar, só não me agradou o texto, mas é obvio que isso ocorreu pela minha crença.

      Excluir
    3. Pelo visto a senhora nao tem formaçao medica. Fica dificil opinar mesmo. Nao somos mecanicos no trabalho, como a senhora afirma. Temos sentimentos sim,e muito, mas nosso conhecimento nos permite agir da maneira mais correta e racional. Talvez isso lhe falte. Eutanasia nao é legal de ser feita, mas baseando-se no conhecimento e ciencia, sabemos que muitas vezes é o mais correto, isso que nos conforta um pouco. Ja frequentou congressos sobre eutanasia? Sensiencia em animais? Foi o que imaginei. Ter animais e amar animais em demasia nao a torna especialista em NADA. Estudar e se informar sim. Seres humanos nao sofrem eutanasia, mesmo que precisassem, mas devido a legislaçao burra. Muitos paises mais desenvolvidos isso é diferente, pacientes tem a opçao sim de aliviar a dor e sofrimento. Pense antes de se expressar. Ninguem gosta de decidir isso, mas é necessario. Nao sei qual é tua crença, mas, sera q ela apoia a distanasia? (morte sofrida, para lhe esclarecer). Creio que nao.

      Excluir
  2. Os seres humanos são tão egoístas que projetam no animal o seu sentimento de medo, desespero, medo da morte... prefere ter um animal em agonia, desde que ao seu lado do que ter a humildade de deixá-lo partir.

    ResponderExcluir
  3. Achei lindo!!! Fiquei emocionada com o conto, pois já tive animais que necessitaram passar por isto para descansarem de suas dores. Procurei ajuda até não poder mais... Muitas das vezes, deixava de pagar alguma conta para que meu amigo pudesse ter todo o cuidado necessário, mas nem sempre dá certo. Sou enfermeira e sei o que é ver a dor em alguém, e não quero isto para nenhum de meus tutelados... Se estou fazendo errado... Sei que Deus vai me perdoar. Amo demais a todos os animais.

    ResponderExcluir