Nathalia Santana sentindo-se despedaçada.
Um cão jovem, saudável, sofre uma fratura completa de úmero. É uma fratura cirúrgica, não há outra opção. Ocorreu por acidente, passível de ocorrer com qualquer animal, humano ou não. E aí começam as desculpas:
- "Ah, mas eu trabalho das 8h as 18h, não tenho tempo de cuidar dele." - Não é tão complicado, desde que vc tire um tempo por dia pra ele. Estaremos sempre à disposição para ajudar e orientar. Ou se preferir, deixe o cão no pós operatório conosco para que cuidemos adequadamente!
- "Ah, mas o tratamento é caro." - Vamos tentar ajudar, vamos dar um desconto, dividir em várias vezes e facilitar a internação para que seu trabalho seja minimizado.
-"Ah, mas quando ele voltar pra casa e eu precisar restringir o espaço dele, ele vai latir e incomodar os vizinhos." - Bom, creio que como vc mora em sítio isso não deva ser tão complicado de resolver. Há muito espaço para você reservar um só pra ele nesse período.
- "Ah... quer saber? Vai ser muito complicado...
Não é do meu feitio fazer isso com um cachorro, mas......."
Chegamos no ponto. "MAS"...
Quer saber a diferença entre um cão e um filho?
Como bem disse minha colega de profissão Mariana Martins:
Um filho pode "escapulir". Pode vir por acidente, sem ser desejado ou esperado.
Um cão não. Não brota um cão do chão e vc tem a obrigação de criar e cuidar. Não aparece um cão dentro do seu apartamento. Nem um gato. Nem uma chinchila. Nem uma iguana.
Ninguém nunca colocou uma arma na cabeça de terceiros e obrigou a levar um animal pra casa contra a sua vontade.
Vc tem o DIREITO de não pegar um animal e levar pra casa. Aquele animal está ali pq vc ESCOLHEU pegar, ficar com ele, levar pra casa.
E essa escolha implica em prover necessidades básicas como alimentação de qualidade, controle de pulgas e carrapatos, higiene, vacinação e cuidados médicos sempre que necessários.
Uma fratura. Necessita sim de um tratamento específico, especializado. Mas é simples. Tratar, cuidar, resolver, e vida normal.
O que leva um ser humano a "solicitar" uma eutanásia num animal saudável, com um problema passível de tratamento? Dinheiro? Tempo? Preguiça de cuidar? De novo: quem colocou uma arma na sua cabeça e o obrigou a assumir a RESPONSABILIDADE por um animal?
E sempre que esse tipo de situação ocorre, sempre alguém comenta: "infelizmente, a gente não faz eutanásia nesses casos, mas sempre tem um 'colega' que faça".
Colegas Médicos Veterinários, a eutanásia não é e nunca deveria ser um procedimento de ROTINA. Ela é a falta de opção! FALTA DE OPÇÃO! A falta de cura disponível, uma maneira de abreviar o sofrimento diante do INEVITÁVEL. Piometra, tumor de mama, fratura (!!!!), ou simplesmente "estar velho demais e estar dando mais trabalho" - o que convenhamos é o destino óbvio de seres humanos e animais - NUNCA foi nem nunca será justificativa para tal.
Quem cria a cultura da posse responsável é especialmente a nossa classe. Nós temos o poder de promover a educação à população, e não facilitar esse tipo de descarte cruel da vida.
Quando um Médico Veterinário pratica eutanásia num animal saudável por "solicitação" de um tutor preguiçoso ou que não quer gastar com aquela vida, ele está ensinando a descartar.
Esta deixando claro que quando aquele animal não servir mais, sempre vai ter um "doutor" pra tirar aquela responsabilidade (ou aquele "peso") das costas dele, e amanhã ele estará livre para adquirir, por ESCOLHA, um novo animal para fazer o mesmo no futuro.
A Patela, minha cachorrinha, veio pra piorar as coisas. Quando esse tipo de coisa acontece eu penso nela. Penso que quando ela tem dor, ela não consegue me ligar. Me pedir um analgésico. Ela se deita no chão como uma bolinha, e treme. Se eu a soltasse na rua ela jamais sobreviveria.
Me lembro que quando decidi adotá-la, foi uma ESCOLHA. A melhor de todas! E ela depende completamente de mim!
A Patela me fez ter mais raiva e tristeza diante desse tipo de situação. Ela me fez ter mais descrença diante de um país que tem leis ridículas de proteção animal.
Que trata a vida - humana e animal - feito lixo. Quando eu olhei pra ela ontem à noite, lembrei daquele cão. E de tantos outros.
Não era o dinheiro. Não era o tempo, o trabalho. Ele simplesmente "não estava afim de cuidar do cão".
Ela deitou a cabecinha no meu travesseiro e dormiu tranquilamente encolhidinha.
Dra Nathalia Santana
Cirurgiã Veterinária na empresa Clínica Vet Center
Estudou Master of Education na instituição de ensino Universidade Federal de Minas Gerais
Nota:
Resolução sobre eutanásia do Conselho Federal de Medicina Veterinária - http://pt.calameo.com/read/001913171c3d475a5816f
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