segunda-feira, 21 de maio de 2018

Cães e Gatos em Condomínios: Direitos e Garantias - Vanice Orlandi - Uipa SP



Quem detém a guarda de cães e gatos possui direitos e garantias contra restrições abusivas, não raro, impostas por Condomínios, sem amparo legal algum.

Vem se tornando comum a proibição do uso de elevadores ou até da própria permanência do animal nas unidades autônomas do Condomínio, o que constitui uma afronta ao princípio constitucional da legalidade.

Preceitua o artigo 5º, inciso II, da Constituição da República, que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Mencionado princípio visa conter a arbitrariedade e a vontade caprichosa de quem detém o poder de elaborar não só portarias, resoluções, regimentos, estatutos, mas também regulamentos internos e convenções condominiais. Apenas a lei, devidamente elaborada segundo as regras impostas pelo processo legislativo, constitucionalmente previsto, é que está apta a impor normas de conduta, submetendo ao seu império todos os indivíduos.

 Assim é que a Constituição da República assegura ao particular repelir as injunções que lhe sejam impostas por outra via, que não a da lei. Não pode simples regulamento interno de edifício ou convenção condominial, atos que produzem mera regra de direito estatutário, impedir a permanência de animal em condomínios, ou exigir sua retirada, pois tal comando não se encontra amparado por norma jurídica alguma.

Convém lembrar que segundo o Princípio da Estrita Legalidade, enquanto a Administração Pública só pode fazer o que a lei autoriza, o particular pode fazer tudo o que a lei não veda. Da atual legislação pátria não se pode extrair a proibição da permanência de animais em condomínios de apartamentos ou de casas, pelo que essa pretensão afigura-se inconstitucional.

Da Violação ao Direito de Propriedade Assegurado pela Constituição da República 

No capítulo relativo aos direitos e garantias fundamentais, a Constituição da República, em seu artigo 5º, inciso XXII, assegura o direito de propriedade . Sendo o animal classificado como bem móvel de que trata o artigo 82 do Código Civil, está claro que deter a guarda de animal é direito tutelado pela Carta Magna, que simples convenção condominial ou regulamento interno de edifício não pode contrariar, por violar a liberdade do cidadão e seu direito constitucional de propriedade.


Do direito de Usar, Gozar e de Dispor da coisa 

Segundo o artigo 1228 do Código Civil, “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa…”. Decorre daí o direito do proprietário do imóvel, bem como do locatário a quem foi transferido o uso e gozo do bem, de manter animais em sua unidade autônoma, valendo-se de suas áreas comuns para, livremente, ingressar e sair desse condomínio, acompanhado de seu animal, desde que contido em coleira e guia.

Com efeito, a manutenção do animal na unidade autônoma e seu trânsito pelas áreas comuns do condomínio constituem condutas que não podem sofrer cerceamento, por estarem compreendidas no uso e gozo da propriedade.

 Do Uso Nocivo da Propriedade

 Ao disciplinar questão relativa aos direitos de vizinhança e ao uso nocivo da propriedade, o Código Civil (Lei Federal nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002), em seu artigo 1.277, dispõe que “o proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha”.
Trata-se de restrição imposta por lei ao direito de propriedade, que visa harmonizar os interesses dos condôminos que da propriedade não poderão fazer mau uso, nem dela se servir de forma absoluta e ilimitada.

Decorre daí que a permanência do animal em apartamento e o direito que tem seu guardião de fazer uso das áreas comuns para que possa do edifício entrar e sair condicionam-se ao fato de tais condutas não oferecerem risco à segurança, à salubridade e ao sossego dos demais moradores. É o que se infere das leis federais que regem a matéria.

Inaceitável, portanto, que simples regulamento pretenda se sobrepor às normas constitucionais e à legislação pátria que regem a matéria. Não pode o regulamento pressupor que a simples permanência do animal em apartamento represente atentado à higiene e à segurança dos condôminos, porque tal fato não se deduz, mas se comprova pela análise de cada caso em concreto.

Necessário constatar se o animal em questão oferece risco à segurança, à saúde e ao sossego dos condôminos, o que se apura em juízo, à luz de provas legitimamente colhidas para, só então, impor as gravosas restrições previstas pelo regulamento, pela convenção condominial, ou simplesmente aprovadas em assembleia.

Noutro dizer, o que a lei veda é o mau uso do direito de propriedade que sempre depende do exame das circunstâncias, das peculiaridades de cada caso no tocante à perturbação do sossego, à segurança e à salubridade dos demais moradores.

Pode-se dizer que ofende a salubridade dos demais condôminos o guardião do animal que não o mantenha em adequadas condições de higiene, permitindo que do apartamento exale mau cheiro, ou permitindo que o animal lance dejetos sobre as partes comuns do edifício. Perturba o sossego o animal que late excessiva e constantemente.

Incide na norma punitiva do artigo 42 da Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941) aquele que provoca, ou não procura impedir o barulho produzido por animal de que tem a guarda.

Cumpre frisar, no entanto, que a simples voz do animal não representa uso nocivo da propriedade, pois a habitação em edifício de apartamentos implica tolerar um certo grau de ruídos que, inevitavelmente, emanam das unidades autônomas como os advindos de aparelhos de som, de eletrodomésticos, do choro de crianças etcetera.

Atenta contra a segurança dos condôminos o animal agressivo, capaz de lesionar a integridade física dos demais moradores ou animais. Sublinhe-se, a propósito, que a questão do porte, no mais das vezes, nada significa em se tratando de uso nocivo da propriedade, pois animais existem que, apesar de seu pequeno porte, são capazes de latir em demasia, perturbando a tranquilidade do prédio. Por outro lado, muitos cães podem não representar dano algum ao sossego ou à segurança, não obstante seu avantajado porte, devido ao seu temperamento pacato e dócil.

Do comportamento antissocial 

 O novo Código Civil se refere ao comportamento antissocial do condômino em dispositivo que assim dispõe: “Artigo 1.337.(…) Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia.”

Considerando os vários sentidos que se possam atribuir à expressão “comportamento antissocial”, certamente, não faltarão vozes a sustentar que a simples detenção da guarda de animais se enquadra na construção normativa do novo Código Civil.

Em que pese a subjetividade que o conceito encerra, o sentido da expressão “comportamento antissocial”, que pode gerar “incompatibilidade de convivência”, não há de ser outro senão o de uma conduta antijurídica, concretizada em um procedimento contrário à ordem legal e, portanto, lesivo ao direito dos demais condôminos.

A vida em sociedade requer a elaboração e o seguimento de regras de conduta que imponham limites à livre atuação dos indivíduos. A adequação do homem à vida social se dá pelo Direito; do contrário, não haveria como conter a atividade alheia, nem motivo para nos sujeitarmos aos limites que são impostos à nossa própria conduta. Por mais que o homem se deva pautar por princípios morais, ainda é a norma jurídica, revestida de sanção pelo Poder Público, que nos possibilita a convivência social.

Irrefutável, deste modo, o entendimento de que “o comportamento antissocial que gera a incompatibilidade de convivência com os demais condôminos” é aquele comportamento contrário a um dever preexistente e, como todos os deveres são sempre impostos por preceitos jurídicos, afigura-se claro que o comportamento antissocial é aquele que transgride a norma.

Como já tivemos o ensejo de sustentar, das vigentes leis federais deflui que o direito de manter animal em condomínios condiciona-se ao fato de tal conduta não representar ofensa à segurança, à saúde e ao sossego dos demais condôminos. Por conseguinte, o comportamento antissocial do guardião de animais, capaz de gerar incompatibilidade de convivência, é o que lesiona a segurança, a saúde e o sossego dos demais condôminos. À vista disso, não se pode presumir que a simples presença do animal constitua infração ao direito de vizinhança estabelecido pelo Código Civil.

Da Utilização das Áreas Comuns do Condomínio 

“Quem pode o mais pode o menos”, estabelece o mais elementar dos princípios jurídicos, que também ao caso em análise se aplica.

Se o morador pode deter a guarda do animal, a despeito de proibição prevista pela convenção e no regulamento condominiais, por óbvio que lhe está assegurado o direito de entrar e sair do prédio pelas vias normais de acesso de que dispõe o condomínio, desde que o proprietário o mantenha contido em coleira e guia.

Qualquer disposição em contrário, prevista na convenção ou no regulamento interno, deve ceder passo à legislação vigente, como já foi realçado.

Exigir, sob pena de multa, que o animal esteja ao colo de seu responsável, ao transitar em áreas comuns, constitui abuso de direito e prática de constrangimento ilegal, previsto pelo artigo 146 do Código Penal, no capítulo em que cuida dos delitos contra a liberdade pessoal:

“Art.146: Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda”.
Convém ainda lembrar que a maneira eficaz e segura de se conter um cão é mantê-lo em coleira e guia. Ao colo, o animal pode escapar, ou sair da esfera de controle de seu responsável.

Da Indenização 

Se o responsável pelo animal sofrer algum dano, ainda que moral, resultante da abusiva exigência da retirada do animal do Condomínio, ou da proibição de utilização dos elevadores, consuma-se o ato ilícito de que trata o artigo 186 do novo Código Civil:
“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”
 E acrescenta o artigo 927: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem é obrigado a repará-lo.”

Sujeita-se, portanto, à reparação civil quem, transgredindo as normas que asseguram o direito de deter a guarda do animal, causa dano ao condômino.

Das Obrigações do Condômino 

De muitas formas pode o responsável pelo animal evitar atritos com o Condomínio.

Além da manutenção rigorosa de higiene, outros cuidados devem ser observados. No caso de cães, independentemente de seu porte, os passeios devem ser diários, à medida que o lazer e o exercício físico contribuem para o seu bem estar físico e mental, reduzindo o estresse que, muitas vezes, é a origem de uma vocalização extremada.

Algumas raças de cães são muito ativas, convivendo mal em espaços restritos e em ambientes fechados como apartamentos, o que pode torná-los ansiosos, agressivos e destruidores.

No caso dos felinos, é importante telar janelas, evitando passeios pelas áreas comuns do Condomínio e até quedas, que podem ser fatais.

De regra, os animais não gostam de enfrentar longos períodos de ausência de seus familiares, e esse desconforto poderá repercutir em seu comportamento, levando a transtornos de todo gênero. Sozinho em casa, o cão pode sentir medo, tédio e ansiedade, sentimentos causados pela separação, o que pode levá-lo a latir de forma incessante.

Engana-se quem pensa que os felinos convivem bem com a solidão, por serem mais independentes. Essa espécie apenas se mostra mais discreta quanto à forma de expressar seu desagrado. Gatos, assim como os cães, detestam ter que permanecer sozinhos por períodos mais longos.

Caso essa situação seja inevitável, recomenda-se que haja outro felino para fazer-lhe companhia e lhe amenizar o tédio.

A esterilização contribui para um comportamento mais tranquilo, à medida que reduz a incidência de condutas indesejadas como a dos cães que mostram-se indoceis em virtude da presença fêmeas no cio, mesmo em outras unidades autônomas. Felinas podem apresentar intensa vocalização em períodos de cio. Reduz-se, ainda, a marcação de território pelos machos.

Dos Atritos em Condomínios e Providências

Queixas envolvendo guardiões de animais, muitas vezes, decorrem, unicamente, de atritos e diferenças pessoais entre condôminos, ou entre o síndico e um dos moradores. Dessa forma, reclamações relativas a animais devem ser analisadas com cautela e observância a todas as circunstâncias referentes aos fatos.

 Em caso de práticas abusivas como notificações, reiteradas abordagens ou multas, recomenda-se, inicialmente, tentar solucionar o caso de forma amigável, apresentando uma defesa perante a Administradora, ou diretamente ao síndico.

Se outros condôminos estiverem sofrendo abuso semelhante, pode-se requerer ao síndico a realização de uma assembleia para deliberar sobre o tema, desde que haja um requerimento subscrito por um quarto dos condôminos (artigo 1355 do Código Civil). Tratando-se de inquilino, será necessária a procuração do proprietário do imóvel.

Diante da impossibilidade de se resolver a questão de forma amigável, é preferível aguardar que o Condomínio ingresse com uma ação judicial, pois dessa forma caberá a ele o ônus da prova. Vale dizer que incumbirá ao Condomínio colher e apresentar as provas necessárias à formação do convencimento do juiz.

Ao condômino sempre existe o direito de ter sua situação apreciada pelo Poder Judiciário, motivo por que, em caso de abuso, a questão pode ser levada ao Juizado Especial Cível de Pequenas Causas. A maioria dos julgados mantém o posicionamento de que a Convenção Condominial não é soberana, ou seja, não pode impor restrições como a proibição à permanência do animal. Existe, entretanto, uma minoria de julgados que sustenta que a Convenção Condominial é soberana. 

Considerações Finais

De tudo se conclui pela da inconstitucionalidade e pela ilegalidade da pretensão de se proibir a permanência de animal, seja em condomínio residencial, seja em prédio de apartamentos. Abusiva, por conseguinte, a cobrança de multa, o que sujeita o Condomínio a ressarcir eventual dano de ordem patrimonial ou moral.

 Por outro lado, cabe a quem detém a guarda do animal zelar pelas normas de boa conduta, cercando-se de cuidados para que se preserve o sossego, a segurança e a salubridade dos demais condôminos, pois o comportamento permissivo é tão condenável quanto a tirania de quem pretende segregar o animal do convívio em sociedade.

Imperiosa, nesse aspecto, a prevalência da civilidade.

Vanice Teixeira Orlandi (OAB / SP: 174.089
Presidente da UIPA União Internacional Protetora dos Animais

Um comentário:

  1. Boa matéria e merece ser postada em diversos grupos. Vou até imprimi-la e distribuir para amigos bem como p/ a sindica do meu condomínio. É impressionante como moradores que detestam animais, se arvoram no pseudo-direito de invadir a privacidade alheia. Eu e uma vizinha de andar tivemos problemas com uma recente moradora insana. Acabou levando a pior pq solicitamos uma reunião administrativa e contratamos uma advogada para estar presente. A covarde não foi, mandou o marido que acabou saindo com o "rabo entre as pernas". Foi lindo !!!!

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