quarta-feira, 27 de abril de 2016

Quando a decisão de invadir uma residência pode salvar um animal.


Recentemente acompanhamos uma denúncia em que um grupo de protetores decidiu por uma invasão a uma residência para salvar um animal em estado de maus tratos.
O caso causou muita comoção por se tratar de um animal dócil que além de tudo era usado para guarda e que mal conseguia se manter em pé de tão fraco e caquético. Observando a imagem abaixo não resta dúvida de que este animal tinha que ser resgatado. 
Um olhar como o deste dog alemão é difícil de se esquecer. Seres indefesos que dependem de atitude para poder sobreviver e conseguir se livrar de uma algoz cruel e sem coração. Vejam a foto abaixo e tirem suas conclusões.

Foto Facebook - Eu sou testemunha do Golias
Tudo começou quando o grupo recebeu a denúncia abaixo, e embora não fossem uma Ong constituída resolveram salvar o animal, que segundo testemunhas era alimentado apenas duas vezes por mês.


E eis que de repente estes protetores são ameaçados pelo dono do animal que cometeu os maus tratos de serem processados pela ação que executaram. Pode isso produção???
O grupo criou uma página visando conseguir apoio de quem desde o início acompanhou a denúncia de maus tratos, o resgate e também está fazendo apelo por ajuda para o tratamento do lindo Golias.
https://goo.gl/vI3W7n

Acompanhando este caso resolvemos publicar aqui um material para ajudar a esclarecer alguns pontos para que não se cometam erros ao invadir uma casa ou um estabelecimento comercial para se salvar um animal.
Antes de mais nada vamos esclarecer o que pode ser considerado maus tratos ok?

Entenda se por maus tratos a seguinte descrição retirada do site Jus Brasil - autor Emanuel Motta da Rosa
- Os maus-tratos se caracterizam pela ofensa à integridade física do animal, mediante a supressão ou sub oferecimento de recursos mínimos à subsistência do animal, ou à imposição de situação que lhe resulte ferimentos ou sofrimento, expondo-o à situação que não seria aceitável ou a qual ele não estaria exposto em condições normais.
Incluem nesta hipótese a supressão de água ou alimento, ou o oferecimento de água ou alimentação em quantidades inferiores às necessidades, o confinamento, a manutenção em condições insalubres ou de ausência de higiene, agressões e sevícias físicas de qualquer natureza, exposição à intempéries ou situações de risco ou sofrimento (por exemplo: indivíduo que deliberadamente lança fogos de artifício contra animal com o fim de assustá-lo)


Abaixo um texto muito bom do advogado carioca Dr. Daniel Lourenço com orientações sobre este tema. 

Orientações do Dr. Daniel Braga Lourenço, advogado (RJ)

Prezados,
Esta situação de abandono de animais dentro de casas/apartamentos é infelizmente muito comum e, ao mesmo tempo, lamentável.
O ideal, em termos de solução prática do problema, é tentar ir ao local e conversar com funcionários do condomínio e vizinhos com a finalidade de obtenção do telefone dos moradores para explicar a situação emergencial decorrente do abandono dos animais e, com isso, buscar uma solução consensual. O consentimento do morador, autorizando a entrada na residência é a melhor solução, pois rompe qualquer possibilidade de caracterização do crime de invasão de domicílio. Neste caso, o ideal seria registrar essa autorização para entrada em domicílio  por escrito e realizar a entrada na presença de funcionários do condomínio/vizinhos/testemunhas para evitar qualquer alegação futura de dano à propriedade.
No entanto, no mais das vezes, infelizmente isto não é viável seja pela não obtenção do contato, seja pelo descaso dos moradores.

O abandono de animais constitui evidentemente fato típico punível pelo art. 32 da Lei n. 9.605/98, pois constitui ato de abuso, privado que fica o animal (ou animais) do acesso à alimentação e demais cuidados. O abandono é considerado crime quando quem o pratica deixa sem auxílio ou proteção (desamparado), o animal a quem tem o dever, diante da lei, de amparar. Quando se abandona um animal que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, a situação o deixa incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono, o fato típico está plenamente configurado na modalidade abusiva. No caso específico do Estado do Rio de Janeiro, temos a Lei Estadual n. 4.808/06 que corrobora o fato de ser o abandono um ato ilícito em razão do descumprimento dos deveres de cuidado decorrentes da guarda de animal, nos termos do seu art. 16: “Na manutenção e alojamento de animais deverá o responsável:
I -Assegurar-lhes adequadas condições de bem-estar, saúde, higiene, circulação de ar e insolação, garantindo-lhes comodidade, proteção contra intempéries e ruídos excessivos e alojamento com dimensões apropriadas ao seu porte e número, de forma a permitir-lhes livre movimentação;
II – Assegurar-lhes alimentação e água na frequência, quantidade e qualidade adequadas à sua espécie, assim como o repouso necessário;
III – Manter limpo o local em que ficarem os animais, providenciando a remoção diária e destinação adequada de dejetos e resíduos deles oriundos;
IV – Providenciar assistência médico-veterinária;
V – Evitar que sejam encerrados junto com outros animais que os aterrorizem ou molestem;
VI – Evitar que as fêmeas procriem ininterruptamente e sem repouso entre as gestações, de forma a prevenir danos à saúde do animal.”

CARACTERIZAÇÃO DA SITUAÇÃO FLAGRANCIAL:
Neste sentido, enquanto perdurar a situação de abandono, o crime está em andamento (crime é tido como crime permanente – o abuso está sendo cometido com a situação do abandono e dela decorre), possibilitando a caracterização do flagrante delito. De acordo com o art. 302 do Código de Processo Penal, “considera-se em flagrante delito quem:
I – está cometendo a infração penal; II – acaba de cometê-la; III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.
O art. 303, também do Código de Processo Penal estabelece claramente que “nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência”, como é o caso do abandono de animais com privação de condições mínimas de subsistência, ou seja, os moradores que abandonam os animais incorrem na situação descrita no art. 302, inciso I do Código de Processo Penal, cumulado com o art. 303 do mesmo diploma legal.
Paralelamente, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso XI, determina que “a  casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.
No mesmo sentido, o art. 150, § 3º, II, do Código Penal afirma que não constitui crime “a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas dependências: II – a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de o ser. Segundo os §§4º e 5º do mesmo dispositivo, “a expressão “casa” compreende: I – qualquer compartimento habitado; II – aposento ocupado de habitação coletiva; III – compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade. Não se compreendem na expressão “casa”: I – hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta, salvo a restrição do n.º II do parágrafo anterior; II – taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero”.

SOLUÇÕES PRÁTICAS:
Com base na fundamentação acima exposta, teríamos 4 alternativas básicas para ajudar os animais e situação emergencial (expostas em ordem de preferência):
(a)    Solução consensual acima exposta;
(b)   Requerer à autoridade judicial a expedição de mandado de busca e apreensão domiciliar dos animais abandonados com base no fato de constituir o abandono fato típico punível pelo art. 32 da Lei n . 9.605/98 (no pedido de expedição do mandado, explicitar quem ficará como fiel depositário dos animais – normalmente, o próprio requerente, pessoa física ou ONG); De acordo com o art. 243 do Código de Processo Penal, o mandado de busca deverá: I – indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador; II – mencionar o motivo e os fins da diligência;III – ser subscrito pelo escrivão e assinado pela autoridade que o fizer expedir.
(c)    Entrar em contato com o Ministério Público e/ou a autoridade policial com a finalidade de solicitar seja realizada diligência emergencial no sentido de interrupção do crime em andamento. Esta alternativa, como bem se sabe, dependerá da sensibilização do membro do Ministério Público e/ou da autoridade policial. A autoridade policial, com base no flagrante delito, poderá entrar na residência, cumprindo seu dever legal de interrupção do fato típico (art. 23, inciso III, do Código Penal). O ideal é que o arrombamento seja feito por chaveiro na presença da autoridade policial para que não seja caracterizado qualquer dano à propriedade alheia. No final da diligência, fazer constar do boletim de ocorrência ou do inquérito criminal porventura instaurado a narração do fato e quem ficou como depositário dos animais apreendidos. É sempre recomendável a presença de testemunhas.
(d)   A terceira alternativa, menos recomendável, mas viável, seria o próprio cidadão, com base na ocorrência do crime, e da caracterização da situação flagrancial, providenciar o arrombamento da porta (sempre ideal por meio de chaveiro) e entrar na residência para salvar os animais em situação de abandono. Esta situação, estará amparada pelo estado de necessidade, que é uma excludente de ilicitude, prevista pelo artigo 23 do Código Penal (“não há crime quando o agente pratica o fato: I – em estado de necessidade; II – em legítima defesa;  II – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito). É claro que nesta situação quem entra fica mais “vulnerável”. Portanto, é sempre bom documentar a entrada o mais fartamente possível na presença de testemunhas.
Espero ter colaborado para elucidar as medidas possíveis nesta delicada e triste situação.
29 de julho de 2010
Atenciosamente,
Daniel Lourenço.
daniel@lourenco.adv.br
Rio de Janeiro – Brasil 

No link abaixo um exemplo da postura do Supremo Tribunal Federal em relação a invasão de domicílio desde que comprovada a necessidade e que esteja explicitada a necessidade de se tomar a atitude.

http://goo.gl/8m5Y7M

E como exemplo de que deve se tomar todo cuidado ao invadir um domicílio, resolvemos publicar um vídeo de um "resgate" cheio de amadorismo, onde os protetores estão sendo denunciados por roubo do animal e que poderá fazer com que a vítima acabe tendo que ser devolvida ao seu dono, já que quem se propôs  retirá-la do suposto maus tratos não se preocupou em agir da forma correta e não observou o que os especialistas em direitos dos animais já vem orientando há anos.


Nota:
Para que não restem dúvidas sobre a necessidade de se invadir um domicílio, todo cuidado em se resguardar de futuras denúncias e processos por parte do invadido devem ser observadas. 
Guardem tudo desde as denúncias iniciais, até imagens e vídeos do ato em si. Se possível peça ajuda de policiais e leve junto um veterinário que poderá atestar através de um laudo os maus tratos que o animal estava sofrendo
E em tempo, qualquer pessoa do povo, qualquer entidade (ONGs, OSCIPs etc.) ou autoridade ambiental (policiais, fiscais da vigilância de saúde, sanitária etc.) poderá ingressar, a qualquer hora do dia ou da noite, numa casa/lar/domicílio ou estabelecimento comercial caso seja constatado o crime de abandono por conseguinte atos de abuso, maus-tratos, ferimentos ou mutilações a animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, objetivando resgatá-los e/ou salvá-los desde que resguardados estes cuidados já relatados no texto acima do Dr. Daniel Lourenço.

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