terça-feira, 6 de dezembro de 2016

LUTA CONTRA PECS E LEIS PERMISSIVAS DE RODEIOS E VAQUEJADAS: AÇÕES JUDICIAIS PODEM PERPETUAR TAIS PRÁTICAS


LUTA CONTRA PECS E LEIS PERMISSIVAS DE RODEIOS E VAQUEJADAS: AÇÕES JUDICIAIS PODEM PERPETUAR TAIS PRÁTICAS 


Vanice Teixeira Orlandi 

1)Qual o resultado prático da aprovação do PL nº 13.364/16, que eleva rodeios e vaquejadas à categoria de manifestação cultural nacional e de patrimônio cultural imaterial? 

Absolutamente nenhum por dois motivos:

a) Já existem leis permissivas dessas práticas. 

Desde o advento da Lei Federal nº 10.220/2001, que equiparou o peão de rodeio a atleta profissional, e definiu a vaquejada como uma prova de rodeio, essa atividade já é tida por esporte. E os rodeios, por sua vez, foram “permitidos” pela Lei Federal nº 10.519/2002. Para efeitos legais, não há diferença entre a existência de uma lei que libera a vaquejada, por considerá-la como esporte, e uma outra que a permite por considerá-la como manifestação cultural nacional.

b)Não há necessidade da existência de leis permissivas de rodeios e vaquejadas para que tais práticas sejam realizadas. 

Isso porque o particular pode fazer tudo o que a lei não veda (princípio da legalidade); basta, portanto, que não exista lei proibitiva para que a prática seja permitida. Vale lembrar que o primeiro rodeio do país foi realizado em 1947, e a prática disseminou-se, livremente, por todo o país, sem que houvesse qualquer lei que a regulamentasse. Passados cinquenta anos, quando a Uipa começou a ajuizar ações contra os rodeios, parlamentares apresentaram projetos de lei permissivos da prática, o que comprova que nunca houve necessidade da existência de norma autorizativa para que rodeios fossem realizados.

2)Qual seria o efeito prático de se retirar do ordenamento jurídico a Lei Federal nº 13.364/16, por meio de uma ADI? 

Absolutamente nenhum.
A realização de rodeios e vaquejadas não se condiciona à existência de lei permissiva, e sim à inexistência de lei proibitiva. Mesmo que a recém aprovada Lei Federal nº 13.364/16 fosse retirada do ordenamento jurídico por meio de uma ADI, ainda restariam duas outras federais que a permitem (Lei Federal nº10.519/2002, Lei Federal nº 10.220/2001).

3) Qual o efeito legal de uma ADI? 

O efeito legal de uma ADI não é o de proibir uma prática, mas tão o só retirar do ordenamento jurídico uma lei que seja declarada inconstitucional. Esse é o único efeito de uma ADI. Integrantes do Poder Judiciário, ainda que ministros da mais alta Corte, apenas podem julgar o pedido formulado na ação que foi proposta. Em uma ADI, o único pedido a ser apresentado é a declaração de inconstitucionalidade de uma lei. Logo, ao ser a ação julgada procedente, o pedido é atendido, declarando-se inconstitucional a referida lei, retirando-a do ordenamento jurídico.

4) Pode-se proibir rodeios e vaquejadas por meio de uma ADI, ou ADPF? 

Não. Para que uma prática seja coibida, a ação a ser proposta é a ação civil pública, que pode condenar o Poder Público à obrigação de fazer, ou de não fazer.

5) A Pec 50 é inconstitucional? 

Não. Se aprovada a referida emenda, o artigo 225 da Constituição da República passaria a vigorar acrescido do seguinte §7º: “Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as manifestações culturais previstas no § 1º do art. 215 e registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, desde que regulamentadas em lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos.” Ainda que saibamos que a pretensão em se editar essa emenda constitua uma evidente manobra para casar sua redação com o texto da recém aprovada Lei Federal nº 13.364/16, é forçoso reconhecer que o seu teor não contraria o texto constitucional, estando, inclusive, concorde com o entendimento do STF, exarado no acórdão da farra do boi, de que as manifestações culturais podem ser livremente exercidas, desde que não submetam os animais a sofrimento, exatamente como consta da referida emenda. 

6) O que pode ser feito quanto às leis permissivas de rodeios e de vaquejadas? 

Existem duas formas de se realizar controle de constitucionalidade. Uma delas é por meio difuso, arguindo a inconstitucionalidade da lei nos autos de cada ação civil pública que for ajuizada (em cada ação civil pública, deve-se argumentar que a lei permissiva da vaquejada contraria dispositivo constitucional; dessa maneira, o juiz declara a inconstitucionalidade da lei, seja estadual ou federal). Não apenas o STF, mas todo e qualquer juiz ou tribunal pode realizar, no caso concreto, ou seja, nos autos de uma ação judicial, a análise sobre a compatibilidade da lei infraconstitucional com a Constituição da República.

A outra é por via concentrada, ou seja, por meio de ADI ou ADPF, ajuizada diretamente no STF..

A única forma SEGURA de se contestar a constitucionalidade de uma lei é fazê-lo por via difusa, que não faz coisa julgada erga omnes, mas apenas entre as partes, permitindo recursos e a proposta de novas ações judiciais contra a prática.

7) Seria cabível uma ADI contra a Lei Federal nº 13.364/16? 

Não. Conforme entendimento estabelecido pela Suprema Corte, a incompatibilidade entre a lei e a Constituição há de ser direta e frontal, inadmitida violação oblíqua ou reflexa. Por esse motivo, foi tão tênue a vitória na ADI contra a lei estadual cearense, obtida por diferença de apenas um voto.
Por muito pouco a lei permissiva de vaquejada não foi declarada constitucional, resultado que fala por si e que deveria ser o suficiente para que jamais fosse, novamente, aventada a hipótese do ajuizamento de uma ADI.

Essa mesma exigência relativa à ofensa direta e frontal ao texto constitucional, aliás, vem sendo imposta para mero seguimento de um recurso extraordinário, não bastando inconstitucionalidade reflexa ou oblíqua.
Por essa razão, não foram conhecidos nenhum dos inúmeros recursos extraordinários interpostos pela Uipa, contra decisões do Tribunal de Justiça paulista, baseadas em lei permissiva dos rodeios. A Ministra Carmen Lúcia denegou dois deles, sendo o último em dezembro de 2012 (RE 571.502/SP). Recentemente, a Uipa queixou-se aos Ministros, uma vez que a exigência de ofensa direta e frontal não encontra amparo legal ou constitucional (http://www.uipa.org.br/carta-que-foi-enviada-ao-stf-sobrerodeios/)

8)Quais os riscos de uma ADI contra a Lei Federal nº 13.364/16? 

Ao julgar improcedente uma ADI, por exemplo, a lei é declarada constitucional, fazendo coisa julgada contra todos (erga omnes), e dispondo de efeito vinculante aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Vale dizer que, em relação à Lei Federal nº 13.364/16, nunca mais poderemos, perante órgão algum, ou instância alguma do Judiciário, questionar a constitucionalidade dos rodeios ou das vaquejadas.  
Estará fulminada por completo, para o futuro e de vez, qualquer possibilidade de se colocar fim aos rodeios e às vaquejadas. 

9) Seria cabível uma ADPF- arguição de descumprimento de preceito fundamental? 

Não. A ADPF também é uma forma de controle concentrado de constitucionalidade, importando nos mesmos riscos de uma ADI. Trata-se de ação subsidiária à ADI, ou seja, que deve ser proposta nos casos em que a ADI não é cabível, como no caso de leis municipais ou estaduais e federais editadas antes da Constituição de 1988.

10) Cabe mandado de segurança contra a edição das Pecs? 

Não, nesse caso. O Poder Judiciário só pode realizar o controle de constitucionalidade prévio dos atos normativos, por meio de mandado de segurança em duas hipóteses:

a) se a tramitação do projeto de lei, ou de emenda à Constituição, não observar regra constitucional que discipline o processo legislativo;

b) caso a proposta de emenda à Constituição seja manifestamente ofensiva à cláusula pétrea.

Não havendo qualquer irregularidade no trâmite legislativo da emenda proposta, restaria a hipótese referente às cláusulas pétreas, que são dispositivos constitucionais que não podem sofrer alteração, nem mesmo por meio de emenda, elencados no artigo 60 da Constituição.

Referido artigo, em seu §4º, inciso IV, enuncia que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais.”.

Direitos e garantias individuais são aqueles relacionados no artigo 5º da Constituição da República, que nada diz sobre meio ambiente.

Ainda que se defenda a tese de que o direito ao meio ambiente também é um direito e uma garantia individual, não haveria como demonstrar que a prática de rodeios e vaquejadas lesam o meio ambiente, pois como bem lembra Édis Milaré, “dano ambiental é a lesão aos recursos ambientais, com a consequente degradação-alteração adversa ou – in pejus – do equilíbrio ecológico e da qualidade ambiental”

(MILARÉ, Édis. Direito Ambiental. São Paulo: RT).

Vanice Teixeira Orlandi -­‐ Advogada, Presidente da Uipa -­‐ União Internacional Protetora dos Animais.


Texto original em PDF  https://goo.gl/j2CO0N

Um comentário:

  1. Muito boa a abordagem. Parabéns a dra e ao Esquadrão Pet que está sempre à procura de informações para nossa evolução.

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